O ateísmo de Deus
O ateísmo de Deus
“Meu Deus, meu Deus, por que me desamparaste?”
A oração de Cristo atinge nestes termos o seu ápice na Cruz.
Onde ele parece soltar um grito de desespero, na verdade, Cristo estava fazendo a sua invocação, de alguém assediado por inimigos sem escapatória, que não tem
ninguém além de Deus a quem recorrer e, acima de todas as possibilidades humanas,
experimenta a sua graça e salvação.
Com estas palavras do Salmo, primeiro de um
homem que sofre, depois do povo de Deus no seu sofrimento causado pela aparente
ausência de Deus, Jesus fez seu este grito da humanidade que sofre com a aparente
ausência de Deus, levando este grito ao coração do Pai. Assim rezando esta
última solidão junto com toda a humanidade, ele nos abre o coração de Deus.
Não há contradição entre estas palavras do Salmo 22(21) e as palavras cheias de confiança filial: “Pai, nas tuas mãos entrego o meu espirito” (Lc 23,46).
Estas palavras também extraídas do Salmo 31(30), são a dramática súplica de uma pessoa que, abandonada por todos, tem a certeza de poder confiar-se a Deus. Esta oração permite-nos experimentar Deus como única âncora de salvação.
Chesterton sugere que na Paixão, o Autor de todas as coisas
não apenas passou pela agonia, mas também pela dúvida. Está escrito “Não
tentarás o Senhor teu Deus”. Porém, o Senhor teu Deus pode tentar-se a si
mesmo, e Chesterton tem a impressão de que foi isso que aconteceu no Getsémani.
Num jardim Satanás tentou o homem; e num jardim Deus tentou Deus. De alguma forma sobre-humana ele passou pelo horror humano do pessimismo. O mundo foi abalado e o sol desapareceu do céu não no momento da crucificação, mas no momento do grito do alto da cruz: o grito que confessou que Deus foi abandonado por Deus.
E agora deixemos que os revolucionários escolham um credo dentre todos os credos e um deus dentre todos os deuses do mundo, ponderando com cuidado todos os deuses de inevitável recorrência e poder inalterável. Eles não encontrarão um outro deus que tenha ele mesmo passado pela revolta. Não (a questão torna-se difícil demais para a fala humana), mas deixemos que os próprios ateus escolham um deus. Eles encontrarão apenas uma divindade que chegou a expressar a desolação deles; apenas uma religião em que Deus por um instante deixou a impressão de ser ateu.
(cf. Chesterton , Ortodoxia)
Com efeito, enquanto alguns negam expressamente Deus, outros
pensam que o homem não pode afirmar seja o que for a seu respeito; outros
ainda, tratam o problema de Deus de tal maneira que ele parece não ter
significado. Muitos, ultrapassando indevidamente os limites das ciências
positivas, ou pretendem explicar todas as coisas só com os recursos da ciência,
ou, pelo contrário, já não admitem nenhuma verdade absoluta. Alguns, exaltam de
tal modo o homem, que a fé em Deus perde toda a força, e parecem mais
inclinados a afirmar o homem do que a negar Deus. Outros, concebem Deus de uma
tal maneira, que aquilo que rejeitam não é de modo algum o Deus do Evangelho.
Outros há que nem sequer abordam o problema de Deus: parecem alheios a qualquer
inquietação religiosa e não percebem por que se devem ainda preocupar com a
religião. Além disso, o ateísmo nasce muitas vezes dum protesto violento contra
o mal que existe no mundo, ou de se ter atribuído indevidamente o carácter de
absoluto a certos valores humanos que passam a ocupar o lugar de Deus. A
própria civilização actual, não por si mesma mas pelo facto de estar muito
ligada com as realidades terrestres, torna muitas vezes mais difícil o acesso a
Deus.
Em uma noite escura,
De amor em vivas ânsias inflamada
Oh! ditosa ventura!
Saí sem ser notada,
Já minha casa estando sossegada.
Na escuridão, segura,
Pela secreta escada, disfarçada,
Oh! ditosa ventura!
Na escuridão, velada,
Já minha casa estando sossegada.
Em noite tão ditosa,
E num segredo em que ninguém me via,
Nem eu olhava coisa, Sem outra luz nem guia
Além da que no coração me ardia.
Essa luz me guiava,
Com mais clareza que a do meio-dia
Aonde me esperava
Quem eu bem conhecia,
Em sítio onde ninguém aparecia.
Oh! noite que me guiaste,
Oh! noite mais amável que a alvorada
Oh! noite que juntaste
Amado com amada,
Amada já no Amado transformada!
Em meu peito florido
Que, inteiro, para Ele só guardava
Quedou-se adormecido,
E eu, terna, O regalava,
E dos cedros o leque O refrescava.
Da ameia a brisa amena,
Quando eu os seus cabelos afagava
Com sua mão serena
Em meu colo soprava,
E meus sentidos todos transportava.
Esquecida, quedei-me,
O rosto reclinado sobre o Amado;
Tudo cessou. Deixei-me,
Largando meu cuidado
Por entre as açucenas olvidado.
"Noite Escura", poema de São João da Cruz que destaca que a vida espiritual nem sempre traz paz, essa não-paz, essa Sexta Feira Santa da espiritualidade é denominada de Noite Escura.
É importante lembrar que cada Sexta Feira Santa (momento em que sentimo-nos abandonados por Deus nestes momentos de escuridão) é precedido pelo Domingo da Ressurreição (momento do renascimento da fé com uma nova vitalidade, com um novo carisma). Por isso é importante perseverar, e dizer como Jesus: "Pai em tuas mãos entrego o meu espirito", isto é, dirigirmo-nos a Deus, não como órfãos, mas como filhos em Cristo, dizendo e implorando por auxilio e iluminação neste momento de provação.
Em conclusão, os ateus estão reprimindo os seus impulsos espirituais, criando uma fictícia oposição entre ciência e fé. Como se estas duas realidades fossem incompatíveis e que uma estaria negando a outra. Deste forma, tentando assim responder às suas duvidas.
Porém no interior de cada não-crente existe um crente, pois todo o ser humano tem Deus dentro dele e Deus é por essência Amor (1Jo 4,8). Cada ser humano, independentemente da crença ou descrença, tem um inclinação natural por fazer o bem, por optar pelo Amor (que não é uma característica ou um atributo, mas a própria essência de Deus). Por isso, mesmo inconscientemente, os não crentes obedecendo à sua consciência estão obedecendo ao próprio Deus.
Comentários
Enviar um comentário