Liberdade Religiosa
Liberdade Religiosa
Durante o concilio Vaticano II, o tema da liberdade
religiosa causou alguma confusão e desgostos principalmente por parte da ala
mais conservadora do clero.
Essa confusão refletia uma certa incompreensão do princípio extra
ecclesia nulla salus, fora da Igreja não há salvação.
A incompreensão desta expressão, leva a acreditar que quem não pertence
visivelmente à Igreja Católica, não podia ser salvo.
Um outro argumento que utilizam é que a liberdade religiosa estaria em
contradição com o Magistério da Igreja ao longo da história.
Por exemplo, no século XIX, o Papa Gregório XVI, na encíclica Mirari
Vos, afirma:
Essa vergonhosa fonte de indiferentismo dá origem àquela proposição absurda e errônea que afirma que a liberdade de consciência deve ser mantida para todos. Ela espalha a ruína nos assuntos sagrados e civis, embora alguns repitam repetidamente, com a maior impudência, que dela advém alguma vantagem para a religião. "Mas a morte da alma é pior do que a liberdade do erro", como costumava dizer Agostinho. Quando são removidas todas as restrições pelas quais os homens são mantidos no estreito caminho da verdade, sua natureza, que já é inclinada ao mal, os impele à ruína. Então, verdadeiramente, se abre "o poço sem fundo" de onde João viu subir a fumaça que obscureceu o sol, e de onde saíram gafanhotos para devastar a terra. Daí vem a transformação das mentes, a corrupção dos jovens, o desprezo pelas coisas sagradas e pelas leis santas — em outras palavras, uma pestilência mais mortal para o Estado do que qualquer outra. A experiência mostra, mesmo desde os primeiros tempos, que cidades famosas por riqueza, domínio e glória pereceram como resultado deste único mal, a saber, a liberdade imoderada de opinião, a licenciosidade da liberdade de expressão e o desejo de novidade
Da mesma forma, o Papa Leão XIII, na encíclica Libertas,
afirma:
Do que foi dito, conclui-se que é completamente ilícito exigir, defender ou conceder liberdade incondicional de pensamento, de expressão, de escrita ou de culto, como se estes fossem outros tantos direitos concedidos pela natureza ao homem. Pois, se a natureza os tivesse realmente concedido, seria lícito recusar a obediência a Deus, e não haveria restrição à liberdade humana. Da mesma forma, conclui-se que a liberdade nessas coisas pode ser tolerada onde quer que haja justa causa, mas apenas com a moderação que impeça sua degeneração em licenciosidade e excesso. E, onde tais liberdades estão em uso, os homens devem empregá-las na prática do bem e devem estimá-las como a Igreja o faz; pois a liberdade deve ser considerada legítima apenas na medida em que proporciona maior facilidade para a prática do bem, e nada além disso.
Posteriormente, em 1963, o Papa João XXIII
posiciona-se a favor da liberdade religiosa, na encíclica Pacem in
Terris.
Pertence igualmente aos direitos da pessoa a liberdade de prestar culto a Deus de acordo com os retos ditames da própria consciência, e de professar a religião, privada e publicamente. Com efeito, claramente ensina Lactâncio, "fomos criados com a finalidade do prestarmos justas e devidas honras a Deus, que nos criou; de só a ele conhecermos e seguirmos. Por este vínculo de piedade nos unimos e ligamos a Deus, donde deriva o próprio nome de religião". Sobre o mesmo assunto nosso predecessor de imortal memória Leão XIII assim se expressa: "Esta verdadeira e digna liberdade dos filhos de Deus que mantém alta a dignidade da pessoa humana é superior a toda violência e infúria, e sempre esteve nos mais ardentes desejos da Igreja. Foi esta que constantemente reivindicaram os apóstolos, sancionaram nos seus escritos os apologetas, consagraram pelo próprio sangue um sem número de mártires". (Pacem in Terris, 14)
A declaração Dignatis Humanae do
Vaticano II, que aborda o problema da liberdade religiosa, usando como base o
pronunciamento de João XXIII em Pacem in Terris, afirma:
Este Concílio Vaticano declara que a pessoa humana tem direito à liberdade religiosa. Esta liberdade consiste no seguinte: todos os homens devem estar livres de coacção, quer por parte dos indivíduos, quer dos grupos sociais ou qualquer autoridade humana; e de tal modo que, em matéria religiosa, ninguém seja forçado a agir contra a própria consciência, nem impedido de proceder segundo a mesma, em privado e em público, só ou associado com outros, dentro dos devidos limites. Declara, além disso, que o direito à liberdade religiosa se funda realmente na própria dignidade da pessoa humana, como a palavra revelada de Deus e a própria razão a dão a conhecer. Este direito da pessoa humana à liberdade religiosa na ordem jurídica da sociedade deve ser de tal modo reconhecido que se torne um direito civil. (Dignitatis Humanae, 2)
Como podemos responder a essas possíveis divergências?
Existe verdadeiramente uma contradição entre o
Magistério do séc. XIX e o do século XX com o Vaticano II?
Na realidade, estas declarações, de Gregório XVI e
Leão XIII, condenam é a liberdade religiosa num sentido absoluto que rejeita,
por isso, todas as restrições da Lei Natural (princípios inerentes à natureza
humana) e da autoridade da Igreja.
E essa liberdade absoluta não é defendida pela
Dignitatis Humanae, pois esta defende a liberdade "dentro dos devidos
limites" e "desde que a justa causa seja observada".
O concilio defende que a liberdade religiosa significa
que os homens "devem ser livres de coação" e que a opção por Cristo e
pelo Evangelho deve ser um ato verdadeiramente voluntário e que não pode
existir amor se for coagido e obrigado a segui um caminho que esteja contra a
consciência da pessoa.
Retomando à afirmação "fora da Igreja não há
salvação", devemos então reconhecer que a salvação só pode vir de Cristo
pela Igreja (a Igreja é o corpo de Cristo).
Por isso, citando Lumen Gentium, 14, "não se
podem salvar aqueles que, não ignorando que Deus, por Jesus Cristo, fundou a
Igreja Católica como necessária, se recusam a entrar nela ou a nela
perseverar".
Porém, "também podem conseguir a salvação eterna
aqueles que, ignorando sem culpa o Evangelho de Cristo e a sua Igreja, no
entanto procuram Deus com um coração sincero e se esforçam, sob o influxo da
graça, por cumprir a sua vontade conhecida através do que a consciência lhes
dita" (LG 16).
Ou seja, mesmo alguém que não conheça a Igreja e não
está nela inserida, pode salvar-se pelos méritos de Cristo, operados pela
Igreja.
Encerrado esta explicação de eclesiologia, na
liberdade religiosa, reconhecemos o direito do Homem de buscar a verdade e de a
guardar, de acordo a sua consciência.
O direito à liberdade religiosa não deve ser
confundido com a permissão moral de aderir ao erro, mas um reconhecimento do
direito natural do homem e deve ser limitado pela prudência politica, pelo bem
comum.
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