Paradoxo do Amor
O Grande Paradoxo do Amor Cristão: Como Se Pode Mandar Amar o Próximo?
Palavras-chave: amor cristão, mandamento bíblico, amor ágape, amor eros, amizade cristã, próximo, fé católica, espiritualidade cristã, Evangelho, caridade cristã
Introdução: O Mandamento que Nos Desafia
"Amarás o teu próximo como a ti mesmo." Esta frase, que todos nós conhecemos bem, parece simples à primeira vista. Quem é que não gosta de falar sobre amor? Afinal, as pesquisas mostram que o amor, juntamente com a família e a amizade, está entre os valores mais apreciados pelos jovens de hoje.
Mas se pararmos para pensar um bocadinho mais, surge uma questão intrigante: como é que se pode mandar alguém amar? O amor não é algo espontâneo, natural? E quem é exatamente esse "próximo" que devemos amar? Não amamos já naturalmente aqueles que nos amam - a nossa família, os nossos amigos, a nossa namorada ou namorado?
Esta é a grande paradoxo do amor cristão que vamos explorar hoje.
Os Quatro Níveis do Amor: Do Prazer à Vontade
Para compreendermos melhor o que significa realmente "amar", precisamos de distinguir os diferentes tipos de experiências que chamamos "amor". Quando dizemos "amo chocolate", "amo futebol" ou "amo a minha namorada", estamos a usar a mesma palavra para coisas muito diferentes.
1. O Prazer
O primeiro nível é o prazer - aquela sensação boa que temos quando estamos com alguém de quem gostamos. É uma experiência de harmonia com o mundo ou com a outra pessoa. Mas tem dois limites importantes: pode ser egocêntrico (focado apenas em nós) e superficial (não toca realmente o nosso coração).
2. A Emoção
No segundo nível temos a emoção - aquele "friozinho na barriga", a excitação interior. A emoção é mais profunda que o prazer e pode abrir-nos para receber o outro, mas também tem os seus limites: é sempre passageira e pode ser superficial.
3. O Sentimento
O terceiro grau é o sentimento - um apego mais profundo, uma ternura verdadeira. Não brota apenas do prazer, mas da alegria genuína pela presença do outro. Contudo, mesmo o sentimento pode ser frágil e inconstante - pode desaparecer ou até transformar-se no seu oposto.
4. A Vontade
Por fim, o quarto e mais profundo nível é a vontade - o compromisso de todo o nosso ser, a decisão posta em prática. Não se trata de voluntarismo frio, mas da decisão de dar prioridade ao outro, de fazer tudo para que ele viva e seja feliz.
Três Formas Fundamentais de Amor
1. A Amizade: O Reconhecimento Mútuo
A amizade é talvez a forma mais luminosa de amor. É o lugar onde, ao mesmo tempo que reconhecemos o valor da presença do outro, nos descobrimos a nós mesmos. Como dizia Aristóteles, a amizade é "koinonia" - comunidade. Constrói-se através da palavra, do dom, dos gestos de carinho. A amizade respeita a distância entre as pessoas e integra-a de forma saudável.
2. O Amor Eros: A Tensão da União
Existe um segundo tipo de amor onde a distância entre as pessoas se torna sofrimento e nasce uma tensão - a tensão em direção à união total. Já não bastam as palavras ou o partilhar; o outro torna-se carne, corpo com toda a sua profundidade. É o amor eros, o amor de desejo, que compromete a nossa intimidade mais profunda, incluindo a sexualidade.
Este amor é legítimo e contribui para percebermos a beleza da sexualidade. Mas porque compromete o que há de mais íntimo em nós, pede uma relação à altura do que esses gestos significam - uma relação única que se constrói através do tempo.
3. O Amor Ágape: Amar Sem Condições
E que dizer de todas aquelas pessoas por quem não sentimos espontaneamente nem amizade nem desejo? É aqui que a Bíblia abre um terceiro campo ao amor. Jesus pergunta: "Se amais aqueles que vos amam, que recompensa mereceis?" (Mateus 5,46)
A parábola do bom samaritano ilustra perfeitamente isto. O samaritano não conhecia o homem ferido, não sentia por ele amizade nem desejo. Mas agiu por amor ágape - amor fraternal, amor em ato, generoso e desinteressado.
Este é o amor que se pode mandar, porque não se trata de sentir sentimentos (que não controlamos), mas de agir como se os sentíssemos. Os sentimentos não se controlam, mas os atos sim se podem mandar.
O Segredo do "Amar-se a Si Mesmo"
O Evangelho pede-nos para amar o próximo "como a nós mesmos". Mas o que significa realmente amar-se a si mesmo? Não pode ser apenas o afeto natural ao nosso ego psicológico - aquela parte de nós que diz "por mim!", "para mim!".
A grande paradoxo do amor é esta: para darmos a nossa vida, temos de estar vivos; para amarmos, temos de ter consistência como pessoas. O verdadeiro amor não é fuga desesperada de um vazio interior. Tem a sua fonte numa experiência gozosa da vida. Porque a vida é boa, faz sentido dá-la.
Como escreveu Georges Bernanos, se o amor próprio tem sentido, consiste em "amar-se humildemente a si mesmo, como qualquer um dos membros sofredores de Cristo". A humildade é assim a chave do autêntico amor de si.
A Fonte Profunda do Amor
Quando amamos verdadeiramente, reconhecemos no outro não apenas o nosso reflexo, mas um ser diferente mas aparentado. Não um estranho, mas um irmão, uma irmã. Descobrimos nele a mesma vida que brota em nós. Em termos de fé, reconhecemos nele o filho do mesmo Pai: Deus.
São João diz-nos algo fundamental: "Quem diz: 'Eu amo a Deus', e odeia o seu irmão, é mentiroso" (1 João 4,20). Mas também nos diz: "Quem ama aquele que gerou, ama também aquele que dele nasceu" (1 João 5,1). É muito concreto: sendo receptivos ao dom secreto da vida de Deus, estaremos em condições de reconhecer esse mesmo dom na cara do outro.
No Coração do Amor: Um Ato de Fé
No coração do amor, mais profundo que o sentimento, o desejo ou mesmo a vontade, há um movimento de fé. Por "fé" entendemos não só a crença, mas a confiança - o ato de "confiar em". Confiança no outro, em nós mesmos, e numa fonte de vida e de amor mais constante que os movimentos dos nossos desejos.
Há pessoas não cristãs que podem viver esta fé quando acreditam no amor como dom. O que é próprio do cristão é poder nomear esta fonte e nomeá-la em comunhão com outros: reconhecer e amar a Deus.
Como se pode amar Aquele que não vemos? Parando e fechando os olhos o tempo suficiente para escutar brotar em nós a vida que Ele nos dá. Se soubermos estar recolhidos e atentos, quando abrirmos os olhos conseguiremos reconhecer melhor essa mesma vida no rosto dos nossos irmãos.
A Grande Revelação: "Ama o Teu Próximo, És Tu Mesmo"
Um grande filósofo judeu, Emmanuel Lévinas, mostrou que modificando apenas o espaço entre duas palavras do hebraico, o mandamento pode ler-se assim: "Ama o teu próximo, és tu mesmo". Não se trata de nos identificarmos com o próximo, mas de entender que amar o próximo é ser nós mesmos.
Tu és verdadeiramente tu quando te descentras para ir ao encontro do outro. Esse é o segredo daquilo que nos une: a nossa vida verdadeira não está fechada em nós mesmos, mas encontra-se e realiza-se no movimento pelo qual aceitamos ser despojados de nós mesmos para nos darmos ao outro.
O nosso centro de gravidade está fora de nós... à nossa frente.
Conclusão: A Liberdade de Amar
O maravilhoso desta revelação é que o mesmo movimento que nos permite aceder ao mais profundo de nós mesmos é também aquele que nos conduz para além de nós mesmos. Voltando à fonte do nosso ser, somos, ao mesmo tempo, descentrados e empurrados em direção aos nossos irmãos.
E no movimento inverso, o sair de nós mesmos, libertando-nos do cómodo estar ligados ao nosso ego, leva-nos à verdade do nosso ser. Ao entrarmos na dinâmica do dom, entramos na dinâmica da nossa vida espiritual, que é o mais profundo do nosso coração. Acedemos assim à verdadeira liberdade.
Alguém dizia que o nosso "eu" era a primeira das nossas prisões. Amando, somos libertados dessa prisão. Amando verdadeiramente, descobrimos quem realmente somos: filhos de Deus chamados a amar como Ele nos amou primeiro.
Este artigo explora uma das questões mais profundas da vida cristã: como compreender e viver o mandamento do amor ao próximo. O amor não é apenas um sentimento, mas um caminho de transformação espiritual que nos conduz à verdadeira liberdade e à união com Deus.
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